agosto 20, 2007

Corporações de ofício


A praia, na forma de uma enseada, cheia de pessoas. Elas parecem caminhar a esmo, cabisbaixas. Parecem estar perdidas. Não se interessam pelo mar, sequer experimentam a temperatura da água. As ondas seguem seu ritmo e as pessoas vão e voltam, desorientadas. É o fim da tarde, prestes a anoitecer. Algo me diz que há um movimento grevista sendo preparado. Logo a seguir, em outro ambiente, talvez minha casa, talvez não, um homem – e sua indefectível mecha grisalha no cabelo – anuncia na tevê que "o governo decidiu extinguir as corporações de ofício". O programa jornalístico prossegue e agora tenho certeza: estou na sala do sobrado em que passei a infância, com os mesmos móveis, a mesma televisão, a cortina atrás da qual nos escondíamos. Mas experimento uma funda estranheza, pois a expressão "corporações de ofício" parece-me completamente fora de lugar. Surge diante de mim a imagem impossível de um Marco Polo grevista, de um Lorenzo de Médici presidente da Fiesp e os pensamentos se embaralham. Súbito, percebo que tudo está errado – a praia, a notícia e o fato de eu estar ali –, tudo está fora de lugar. O estranhamento se torna pungente – e acordo.

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