julho 05, 2011

Diálogo com o “Endymion”

A nova manhã é um dom graças ao qual afastamos a mortalha de nossas almas. O angustiado insone; o trabalhador que percorre, madrugada adentro, os corredores mal iluminados do imenso galpão; o solitário que aguarda um telefonema improvável; o dorminhoco acossado por pesadelos repletos de culpa; o jovem cuja ansiedade estilhaça o sono em dezenas de partículas que debilitam ao invés de revigorar; o noctívago que, satisfeito por qualquer vício, se aproxima de sua morada e vê, por um instante, no reflexo da janela, o sol nascer às suas costas, como a lembrá-lo de que o seu prazer jamais será completo – todos eles, como diz John Keats, “malgrado o desespero, a carestia cruel de nobres naturezas e os sombreados e malsãos caminhos abertos para a nossa busca”, todos eles podem, graças à manhã, reencontrar a promessa que a Beleza esconde nas coisas mais improváveis: “a majestade dos destinos que imaginamos para os mortos poderosos, os lindos contos que nós vemos ou ouvimos ou as árvores que lançam a dádiva da sombra às ovelhas sem mal”. Tudo respira – e não por uma “curta hora”, mas para sempre. Assim, no último domingo, quando os sinos tocaram, chamando para a missa, e eu não estava lá fora – em algum velho quarto, remoendo minhas frustrações, ou circundado de pessoas que riem como profissionais e apenas contam, umas às outras, suas ínfimas vantagens –, mas acolhido na penumbra e no silêncio, ouvindo as badaladas repercutirem pela nave, então entendi como cada mínimo gesto pode se tornar sagrado; e imaginando até onde o repique dos sinos alcançaria, lembrei-me dos versos do Endymion: se, “como as árvores que murmuram em torno a um templo logo estão preciosas como o próprio templo”, então, de algum modo, todas as formas de Beleza se uniam a nós, ali, concentradas naquele Sacrifício que nos aturde e alegra, que se renova e é irrepetível. A vida inteira estava ali, pronta a renascer, “luz que incita nossa alma” – e une-se “a nós de modo tão estreito, que existam sobre nós trevas ou fulgor, ela deve estar sempre conosco, ou morremos”.

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