agosto 08, 2011

Quem são? O que fazem? Gostam de Brahms?

Saio à rua e só encontro desconhecidos. Nunca é a mesma funcionária que me atende no balcão da padaria – que fim levou a alegre menina de ontem? Cumprimento o porteiro do prédio sem vê-lo, enclausurado no seu cubículo de janelas escuras; ergo a mão, agradeço por abrir os portões da fortaleza, mas não sei qual a sua resposta. Cruzo por centenas de pessoas numa caminhada de poucos quarteirões: quem são? O que fazem? Gostam de Brahms? Jamais saberei. Jamais. Na verdade, muitas vezes, a cidade me impulsiona a execrar os desconhecidos: no aperto do metrô, quando a multidão suarenta me empurra, a disputar a primazia da escada rolante; ou o gerente da padaria, sufocado na bela gravata, incapaz de sorrir, olhando-me do ponto mais alto da sua pirâmide imaginária. É preciso esforço e uma breve oração para não referendar Sartre – e sua teoria de que “o inferno são os outros” – ou a ética que se tornou costumeira, exercício de sociologia vulgar, segundo a qual devemos compreender as pessoas em seus limites, condicionadas pela origem pobre e pela vida desumana, cruel. Repudio a visão sartriana do outro como opositor e o coitadismo esquerdista, camada de verniz que pretende me eximir da única atitude verdadeiramente humana: amar. Observo cada um deles – a mulher que finge dormir para não ter de oferecer seu lugar ao idoso no metrô, o padre que distribui a comunhão como se estivesse numa mesa de carteado, a empregada que chacoalha ladeira acima o carrinho de bebê, transformando a criança na sua pedra de Sísifo – e quero vê-los não como semelhantes ou próximos, mas irmãos que vivem graças à bondade do Pai; homens e mulheres feitos à Sua semelhança, impulsionados pelo Espírito que tudo sonda, tudo penetra. Ainda que se apequenem, nada pode diminui-los diante de Deus: muito menos meu olhar de orgulhosa censura. Sim, o mal nos entorpece mutuamente, mas vibra em nós, suplicando por uma oportunidade, a graça santificante. Quando, num átimo de segundo, consigo olhá-los como realmente são, quando pisoteio meu miserável orgulho, então o inferno sartriano se desfaz, as teoriazinhas esquerdistas se estilhaçam e os homens surgem na sua verdadeira dimensão, obscuros e também abertos à luz, sofrendo no mesmo ritmo que eu, tocados – conscientes ou não – pelo amor do Pai. Não, não quero apenas entendê-los – mas amá-los graças à “plenitude daquele que plenifica tudo em tudo”.

2 comentários:

Augusta disse...

Texto maravilhoso, maravilhoso! Parabéns! Fico,cada dia, mais orgulhosa de poder compartilhar com poucos amigos seus pensamentos. Obrigada.

digo disse...

Obrigado, Augusta. Carinhoso abraço!