janeiro 05, 2015

Por que alguns autores se esforçam para ser incompreensíveis?

O leitor real grita no ouvido do vanguardeiro tupiniquim: "— Quero apenas uma boa história!"
Muitos escritores — e parcela da crítica — enaltecem, no Brasil, a literatura que se limita a fazer acrobacias ou malabarismos lingüísticos.

Contudo, ao valorizar de forma extrema esses experimentos vanguardistas, quase sempre inócuos, o escritor transforma seu texto numa peça ilegível, que serve apenas para agradar a meia dúzia de supostos iluminados.

Esse esforço para criar um texto incompreensível mostra que o autor se concentrou no seu narratário, no seu leitor imaginário, mas esqueceu o leitor real. Este, o leitor de verdade, está, portanto, condenado ao ato de ler sem entender, à leitura transformada em tortura, mero exercício de decifração.

Parece, inclusive, haver um pacto entre algumas editoras: o de só publicar literatura brasileira que seja hermética, confusa, repleta de jargões.

Os bons escritores deveriam proclamar, sem dissimulação, sem receio do ataque das panelinhas, que o leitor não tem obrigação de ser um paleógrafo. Não quer ser um paleógrafo. Detesta paleografia!

Abandonados diante da página impressa, condenados ao deserto no qual a imaginação, por mais que se esforce, não consegue dar conta de construir o que seria tarefa do escritor, nossos poucos leitores são facilmente raptados para o mundo da subliteratura, tornam-se reféns dos romancinhos de auto-ajuda e de tantas outras panacéias na forma de brochura.

Na verdade, os vanguardeiros tupiniquins, alguns editores e parte da crítica esquecem que a linguagem não lhes pertence exclusivamente, que a linguagem, como ensina Georges Gusdorf, “manifesta o ser relacional do homem”.

O leitor real — não o leitor fictício — é o “outro”, de quem Gusdorf nos fala em La Parole. O outro que é, “para cada um, condição de existência”.

O leitor que deseja apenas uma boa história aprendeu com Gusdorf e grita para o vanguardeiro surdo: — Aprenda: você “fala porque não está só”! “O ser humano não se contém dentro de si próprio: os contornos do seu corpo desenham uma linha de demarcação, mas nunca um limite absoluto”!

2 comentários:

Suco de cerebelo disse...

Perfeito, Renato! Infelizmente poucos são os corajosos autores que têm a coragem de denunciar esta tentativa pseudoerudita de elitização da literatura/cultura. Vivenciamos a metáfora do rei nu; e voc~e denuncio o monarca!!!

Lucas Santana disse...

Rodrigo Gurgel, em primeiro lugar, parabéns pelo blog! Não o acompanho faz muito tempo, mas sempre leio ou no mínimo dou aquela "passada de olho" em seus posts, e tenho me "exercitado" com algumas de suas dicas. Gostei do post, e desde já assumo que não tenho propriedade para refutar seus apontamentos, mas para mim, que pouco leio o que é feito por aqui, o hermetismo me parece interessante e porque não, necessário em alguns casos; claro que sempre há a presunção, riscos envolvidos ou simplesmente o fato do texto acabar parecendo meio ridículo - eu mesmo tentei ler algumas coisas experimentais, com minimalismo, feitas aqui mesmo e não consegui digerir o livro; guardei-o pra outra ocasião, futura, mas no presente ele não foi acessível e certamente espantou outros leitores que não o guardarão para uma segunda chance; mas por vezes acho que escrever inclui por parte ou todo de uma construção interna do autor, e que dependendo do que for tratado necessitará de recursos menos usuais. Kundera mencionou algo sobre o escritor como "universo em si mesmo" e estamos numa onda de narcisismo, mas se o escritor faz isso consciente, se aproxima da filosofia, psicanálise e ao menos pra mim, isso é interessante. Por vezes faço um paralelo com a música, como uma literatura mais cifrada ou densa, sendo similar a estilos mais alternativos e restritos, mas que dão significação para pessoas que não são atingidas por aquilo que é radiofônico. Bem é isso! Desde já agradecido!